A questão dos direitos autorais
Sérgio Cruz Lima, professor universitário (UFPel) e escritor
Importantes veículos de comunicação têm debatido a questão dos direitos autorais no Brasil. Todavia, nenhum deles, pelo que me consta, abordou o ponto nevrálgico do problema: a propositura da nova legislação de direitos autorais do Ministério da Cultura, o MinC, que carrega em suas veias a bactéria do patrulhamento cultural.
Em geral, o debate divaga entre duas questões: a descriminalização da cópia simples de livros ou de downloads de arquivos de áudio. Mais raramente, abrange a hipotética carência de transparência das associações vinculadas à gerência coletiva dos direitos autorais no país. Contudo, pouco se fala naquilo que jaz oculto na proposta do MinC, ou seja, a estatização da arrecadação dos direitos autorais no território nacional, por meio da criação de mais uma empresa estatal, de mais um cabide de empregos para apaniguados políticos – o Instituto Brasileiro dos Direitos Autorais, o IBDA.
Escritores, intérpretes, dramaturgos, compositores musicais, artistas plásticos, músicos e atores laboram na construção de um programa nacional de cultura que seja capaz de suscitar lídimos instrumentos incentivadores para os criadores, sem tolerar brechas ao intervencionismo alienígena no mundo cultural.
O Brasil – e isso é histórico! – sempre abraçou institutos antropocêntricos capazes de assegurar ao criador de cultura, a gestão de sua obra, acatando o regramento próprio ao direito do autor. Assim tem sido a tradição. Assim tem sido a regra. Hoje, porém – talvez com propósitos inconfessáveis! – os mentores da política flexibilizatória, amimando interesses de "empresas disponibilizadoras de conteúdo por meio de novas tecnologias", asseguram que o direito dos criadores de cultura proíbe o povo brasileiro de ter acesso aos conteúdos culturais trabalhados. E mais grave: difundem suas intenções arrostando a urgência da intervenção do Estado na vida dos autores. Pior: menosprezam as convenções internacionais, ratificadas pelo Brasil.
Ora, na terra descoberta por Cabral, o legislador sempre tomou cuidado de auscultar as aspirações dos responsáveis pela criação cultural. E assim, em 1998, o Congresso Nacional aprovou a lei do direito autoral – lei 9610 – ora vigente. Mas a lei mencionada exige alterações? Claro que sim. O mundo mudou. Mas não há grandes mudanças a fazer. A legislação vigente consagra o espírito antropocêntrico do direito autoral e possibilita aos criadores de cultura a livre geração de seus repertórios.
Sob o pretexto da consulta popular, o que se quer agora é inventar instrumentos de controle da produção intelectual brasileira. Os que aspiram tutelar a criação intelectual, os que sonham com maiores rendimentos pecuniários e os que semeiam a desobediência à lei, por certo influenciam os ingênuos. Munidos de raciocínios exóticos à ordem jurídica do país, tentam transferir ao Estado função e direito que não são da sua competência.
Alerta, a sociedade civil se organiza. Constrói um programa nacional de cultura capaz de preservá-la. Para impedir o cartorialismo. Para agilizar instrumentos de proteção. Para minar a intervenção nos direitos e garantias do indivíduo.
O que ocorre agora é um grave imbróglio entre os interesses do governo do PT e o papel do Estado. O que se exige do novo chefe da Nação a ser eleito no ano em curso é a execução de um programa de inteligência sem intervencionismo. Mais: que não se distribuam verbas públicas para consagrar companheiros partidários. Mais ainda: que não se estorvem as criações e as realizações daqueles que discordam da ideologia governamental.
O que se aspira, caro leitor, é a paz social. Repugna o aprofundamento do vórtice ideológico. É chegada a hora de purgar o intervencionismo. Aos intelectuais, aos artistas – à fortiori – o que lhes pertence. A cada um, o que é seu. Voltaremos…