Música é um produto
Vocês podem imaginar o que aconteceria se eu não pagasse o aluguel, se entrasse num supermercado e saísse com minhas compras sem sequer passar no caixa; ou simplesmente me sentasse num bar, tomasse meu chopinho, e, no final, desse apenas um boa-noite para o garçom? Certamente, ia ter gente correndo atrás de mim na rua, ia haver um bafafá danado etc. Numa linguagem franca, eu estaria sendo um caloteiro, um inadimplente.
Da mesma forma, quem usar o produto música, em suas mais variadas formas de execução, tem obrigação de pagar os direitos autorais aos seus criadores. Tenho muita honra em dizer que vivo da música, de minhas composições. E quem garante, há quase meio século, o respeito aos meus direitos autorais é o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, o Ecad. O processo de criação de uma obra cultural só alcança a condição de bem material quando protegido por instrumentos legais. Música é um produto e, assim como nenhuma indústria fabrica nada de graça, não entendo por que muita gente acha que meu trabalho poderia ser franqueado sem qualquer tipo de remuneração.
Hoje existe um esvaziamento do Ecad e vejo isso com muita preocupação. Posso dizer, com certa autoridade, que não existe modelo melhor para garantir os direitos autorais dos músicos brasileiros. Existem falhas que precisam ser corrigidas, mas, com todo respeito, não acredito que uma CPI seja o fórum adequado para debater problemas que dizem respeito apenas aos profissionais do setor. E olhem que já se realizaram cinco CPIs…
Um debate produtivo e de alcance muito maior para a classe artística seria o que chamamos de democratização auditiva. Hoje em dia, ouvem-se pouco nas rádios, com algumas exceções, composições antigas ou novas dos nomes mais consagrados da MPB. Os ouvintes não têm esse direito? Para o bem da cultura, um pouco mais de MPB na grade dominada "por batidões" faria um bem danado ao nosso país. Muitos artistas nada recebem do Ecad porque suas obras simplesmente não são executadas nas rádios.
Fico contente em saber que a "Cabeleira do Zezé" e outras marchinhas minhas são hoje hits do carnaval. Procuro renovar meu repertório e incentivar os movimentos para que surjam novos compositores, novas marchinhas para o carnaval.
O Ecad nasceu do esforço coletivo de compositores e editores musicais. Sou do tempo em que havia cinco sociedades arrecadadoras de direitos autorais. O usuário tinha dificuldade de pagar aos compositores ou, simplesmente, não pagava. Conseguimos depois de muita luta o nosso órgão centralizador, aberto a qualquer sugestão e a qualquer diálogo.
JOÃO ROBERTO KELLY é compositor e produtor musical.