Entenda, sob o foco legal, o ECAD
Coluna Justiça – Como se faz a representatividade do ECAD aqui na Bahia?
Ruyberg Valença – O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) é uma sociedade civil sem fins lucrativos, com sede na cidade do Rio de Janeiro, com sucursal dentre outras localidades. Aqui na Bahia, fica na Rua Aracaju, no bairro da Barra em Salvador.
CJ – Há quanto tempo você advoga para o ECAD?
RV – Sou advogado do ECAD em todo o Estado da Bahia e em algumas cidades do Estado de Pernambuco desde julho de 2005.
CJ – Como se deu a criação do ECAD e em que se baseia sua legitimidade?
RV – O ECAD foi constituído nos termos do artigo 115, da Lei Federal nº 5.988/73, pelas associações de titulares de direitos do autor e dos que lhe são conexos existentes no país, estando seus atos constitutivos devidamente registrados no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas do Rio de Janeiro. Hoje, tendo sua legitimidade e competência ratificada pelo art. 99 da Lei 9.610/98, com exclusividade.
Na condição de órgão centralizador (único órgão, portanto) da arrecadação e distribuição da receita auferida, decorrente da utilização pública, por parte dos usuários em geral, de obras musicais, lítero-musicais e fonogramas, de todos os autores e intérpretes nacionais filiados às associações que o integram, assim como dos estrangeiros representados por força de contratos de reciprocidade celebrados por associações nacionais integrantes do ECAD com associações estrangeiras, pode o Autor, para resguardar os interesses dos titulares desses direitos, praticar todos os atos necessários à sua defesa judicial e extrajudicial, agindo em nome próprio, como seu substituto legal, em conformidade com a alínea b, do inciso XXVIII, do artigo 5º, da Constituição Federal, combinado com os artigos 97, 98 e 9 da Lei. 9.610/98 e art. 6º do Diploma Processual Civil.
Em derredor da legitimidade do ECAD, cumpre imediatamente recorrer à Lei nº 9.610/98, para encontrarmos os princípios norteadores da questão.
Foto cedida por Ruyberg Valença
"…Estaríamos diante da figura típica do mendigo, com pires na mão, batendo de porta em porta, sendo constantemente caloteado por empresários inescrupulosos…"
CJ – Como se dava a arrecadação diante da inexistência, à época, do ECAD?
RV – Tal tarefa representava um verdadeiro desafio para as associações, haja vista que usuários, violavam os direitos relativos a um sem número de obras sem proceder à necessária retribuição prevista em lei, enriqueciam-se às custas do patrimônio intelectual esbulhado ou, na dúvida a quem pagar, depositavam quantias ao seu talante, judicialmente, ficando o autor e titular, também, a mercê da vontade de terceiros.
Logo, a fim de viabilizar a arrecadação de tais direitos e evitar constantes abusos que se verificavam com a utilização de obras artístico-musicais sem o pagamento da devida retribuição autoral, foi criado por lei, o ECAD, um órgão único e especializado.
Assim, embora o autor da obra possua a faculdade de filiar-se, ou não, a uma das sociedades existentes em nosso país, impossível conceber a existência de um titular que não se associe. Imagine-se um compositor, lutando isoladamente num país de dimensões continentais como o nosso, tentando fazer valer o seu direito. Estaríamos diante da figura típica do mendigo, com pires na mão, batendo de porta em porta, sendo constantemente caloteado por empresários inescrupulosos, que se enriquecem às custas dos outros.
CJ – Qual seu entendimento sobre o Direito Autoral?
RV – A obra intelectual, como a música, é uma criação do espírito, fruto do talento, da imaginação, da inteligência, da divindade conferida pelo Criador. Autor é quem cria, quem consegue transformar um papel pautado numa música arrebatadora.
O direito autoral é assim o único realmente originário porquanto a sua existência depende da ação criadora de seu titular. A propriedade se adquire ou dela se apodera o homem quando a coisa é de ninguém. Os direitos da personalidade são atributos da lei para todo ser humano que nasce com vida, de modo que todos os recebem indistintamente. Os direitos autorais, entretanto, só os tem quem cria, quem concebe uma obra em seu espírito e a traz à existência.
Trata-se, igualmente, do único direito perpétuo porque nem a morte separa a obra do seu autor. Dom Casmurro, por exemplo, será sempre uma obra de Machado de Assis, não importam os anos decorridos de sua morte. Mozart será o compositor de suas músicas divinas até o juízo final.
CJ – Houve, na mídia, uma polêmica sobre decisões judiciais onde determinaram que clínicas médicas pagassem direitos autorais pela reprodução de obras áudio-visuais, em suas dependências. Você pode explicar os aspectos legais em que se baseiam essas cobranças?
RV – A Constituição Federal confere exclusividade ao autor sobre suas obras, estando tal proteção inserida no art. 5º, incisos XXVII e XXVIII, sob a rubrica "Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos", na seguinte forma:
"XXVII – Aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar".
"XXVIII – O direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos intérpretes e às representações sindicais e associativas".
Percebe-se claramente, que a Carta Política de 1988, elevou a nível constitucional a exclusividade do autor de obras intelectuais, exercer seus direitos, o que significa ser ele, a única pessoa que pode exercer as prerrogativas advindas desses direitos.
Além da proteção constitucional, a Lei de Proteção aos Direitos Autorais, em seu art. 7º determina que:
Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se inverte no futuro, tais como:
(…)
V – as composições musicais, tenham ou não letra;
Por sua vez, os art. 28 e 29 do citado Diploma Legal, na mesma linha da sistemática anterior, ao tratar dos direitos patrimoniais dos autores de obras intelectuais, condicionam sua utilização à prévia e expressa autorização de seus autores e titulares, vez que somente a eles são deferidas todas as prerrogativas do domínio, podendo autorizar a utilização pública de suas criações mediante o recebimento de retribuição autoral, nos seguintes termos:
Art. 28. Cabe ao autor direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica.
Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:
(…)
Afigurando-se verdadeira infração quando não observada a necessidade de autorização do titular quando da utilização de sua obra, e da mesma forma, a modalidade comunicação ao público protegida pela gestão coletiva desempenhada pelo ECAD, de acordo com o artigo 68, parágrafos 2º e 3º, da Lei n 9.619/98:
Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas.
(…)
§ 2º Considera-se execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de freqüência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica.
§ 3º Consideram-se locais de freqüência coletiva os teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas.
§ 4º Previamente à realização da execução pública, o empresário deverá apresentar ao escritório central, previsto no art. 99, a comprovação dos recolhimentos relativos aos direitos autorais.
CJ – Então a restrição de convidados e/ou sua identificação não descaracteriza a natureza pública da execução?
RV – Não descaracteriza e isto se deve à inteligência do art. 68, parágrafo 3º que conceitua os locais de freqüência coletiva conforme destacado em sua transcrição, mencionando de forma não exaustiva os diversos lugares que podem ser considerados como freqüência coletiva e, pois, de execução pública. Há de se interpretar restritivamente o artigo 46, exatamente por se tratar de exceção.
Correto infirmar que ilegal seria suplantar o recesso familiar aos lugares explicitamente considerados como de freqüência coletiva. Nítida foi a preocupação do legislador em exemplificar as situações que importam a obrigatoriedade de licença do titular frente à exploração da sua obra.
Um espaço alugado para realização de festas não se encaixa na exceção de recesso familiar, em que pese a disposição expressa da Lei de Direitos Autorais, discriminando seu correspondente, clube, e lugares com acesso muito mais reservado como hotéis, motéis e clínicas.
A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), já firmou seu posicionamento quanto à descaracterização do conceito "recesso familiar", quando o hotel ou motel disponibiliza aparelhos de rádios e TVs em seus aposentos para os hóspedes, mesmo que para seu uso exclusivo, apontando como obrigatória à autorização prévia daqueles titulares para a retransmissão das obras.
Além da conceituação de locais de freqüência coletiva, e a inaplicabilidade do conceito de recesso familiar (falar em recesso familiar é o mesmo que reportar-se ao ambiente domiciliar), o já citado artigo 46 estabelece ainda a ressalva da inexistência do intuito de lucro, com o que não se compadecem os espaços alugados para festas, inegável a onerosidade nos contrato de locação, incidindo, indiretamente, o lucro para quem aluga.
Onerosidade demonstrada em todos os contratos que o locatário realiza para concretizar o evento, como serviços de buffet, compra de bebidas, decoração, iluminação e outros, ou seja, o evento festa será realizado fora do âmbito doméstico e com o dispêndio de gastos. Logo, não há justificativa plausível para sacrificar os direitos dos titulares de obras musicais, já que a música será o elemento-chave para que o sucesso do evento, congregando os convidados.
De ressaltar-se ainda que o STJ já vem também afastando a exceção de "recesso familiar" para os eventos com convidados identificados, como casamentos, batizados e aniversários que ocorrem fora do recinto doméstico, como clubes e afins, além da existência de contratos onerosos para sua realização.
CJ – Há uma divergência na Justiça sobre a reprodução de músicas em festas sociais (evento familiar, doméstico e privado). Alguns entendem que o local da festa é extensão da moradia de quem faz o evento, portanto não incidindo a cobrança. Qual o seu raciocínio?
RV – Não é correto afirmar-se que os espaços alugados para festas em geral (casamentos, formaturas, bailes), possam ser considerados como extensão da moradia e, portanto, que a utilização de obras musicais nas referidas festas, enquadra-se na exceção do artigo 46, da Lei de Direitos Autorais, mencionada à execução de música no recesso familiar, de modo que os destinatários da obra seriam os mesmos ou apenas para convidados especialmente reservados.
CJ – Então, em suma, quem deve ser submetido a esse recolhimento?
RV – Resta clara a legitimidade do ECAD em exigir o recolhimento autoral prévio por parte dos usuários de música, para a obtenção da devida e imprescindível autorização dos titulares, para a execução pública de suas obras, inclusive para eventos de caráter restrito como aniversários e casamentos, realizados fora do ambiente domiciliar.
CJ – Em se tratando dos direitos da personalidade, como fica essa questão quanto à pessoa jurídica?
RV – Só a pessoa física pode ser titular do direito moral de autor porque só o ser humano é capaz de criar uma obra intelectual. A pessoa jurídica pode ser titular de direito patrimonial do autor, mas direito moral nunca, simplesmente porque a pessoa jurídica não é capaz de criar nada, não tem talento, não tem espírito, não tem imaginação.
O direito patrimonial do autor tem por conteúdo o aproveitamento econômico da obra, que se opera através de sua reprodução, publicação, apresentação ou utilização remunerada. Esse direito, embora a lei o atribua com exclusividade ao autor, pode ser ele transferido a terceiros, total ou parcialmente, temporária ou definitivamente, por meio de autorização, concessão, cessão ou outros meios jurídicos. Cede-se a obra, ou a sua exploração econômica, mas a autoria nunca.