Duplas sertanejas são nova aposta do cenário musical
Cinto fivelão, bota de bico fino, calça jeans apertada com a camisa pra dentro, chapéu de couro e um copo de chope na mão. À 1h da madrugada de sexta-feira, no lugar de nome Planeta Country, às margens da Estrada Parque Núcleo Bandeirante (EPNB), o fazendeiro e servidor público Leonardo Cordeiro, 39 anos, dividia espaço com cerca de 850 pessoas que lotavam o show da dupla Roniel e Rafael. "Sou o mais velho dos sertanejos. Hoje, virou modismo. Ninguém entende nada de boi, de vaca, de fazenda, mas gosta do estilo", comentou.
O modismo que movimenta milhões de reais tomou conta do Distrito Federal. Nos últimos cinco anos, a capital federal se firmou como referência no mundo country. Quase toda região administrativa tem seu point sertanejo. Mesmo boates e bares não especializados descobriram o potencial mercadológico dessa febre e reservam pelo menos um dia da semana para as duplas locais. Cordeiro, "o mais velho dos sertanejos", curte as baladas três vezes por semana. A cada noite, gasta de R$ 70 a R$ 100. Por mês, acrescenta ele, são mais R$ 1 mil para manter o guarda-roupa na moda caipira.
Inaugurado há dois anos, o Planeta Country é a mais nova das três casas sertanejas da EPNB que fervem de terça a domingo. A Roda do Chopp tem três anos e o Barril 66, seis. Em dias de bom movimento, cada uma recebe um público de 800 a mil pessoas e chega a vender 1.500l de chope. Os donos calculam que, em média, o visitante gaste R$ 35 ao longo da noite. Só a entrada custa de R$ 10 a R$ 15, com a opção de pagar mais R$ 10 e ter livre acesso a um camarote. O som começa por volta das 22h e a farra só acaba depois das 2h.
A Roda do Chopp e o Planeta Country, administrados pelo mesmo dono, empregam, no total, 70 pessoas, entre garçons, recepcionistas, seguranças e auxiliares de serviços gerais. O gerente Daniel Martins acredita que o mercado impulsionado pela onda sertaneja não vai parar de crescer. "Desde que abrimos, não tivemos problemas com receita", afirmou. No Barril 66, o público só diminui quando a noite não é caipira. "No domingo, dia de forró, cai pela metade. Não aparecem nem 400 pessoas. Tentamos colocar MPB na terça, mas também não deu muito certo", disse a gerente Gilmara Maciel.
Quatro anos atrás, quando ainda não tinham estourado Victor e Leo, Jorge e Mateus nem João Bosco e Vinícius, as turmas de dança country na academia Corpos em Par, em Taguatinga, contavam, no máximo, com 20 alunos. Hoje são 78 inscritos – 42 iniciantes e 36 avançados. "Antes só aparecia quem gostava muito de country, era algo restrito. Hoje, podemos falar em um universo sertanejo", comparou Wellington Fernandes, um dos professores. Os alunos pagam R$ 65 por mês pelas duas aulas semanais. Nas casas sertanejas da EPNB, mostram o que aprendem e, dançando, fazem propaganda da academia.
Mesmo sem nunca ter feito aula de dança country, o professor de educação física Dênis de Oliveira, 29, não perde uma balada sertaneja. A cada semana, ele está em uma das casas de shows da EPNB. Na madrugada de sexta, ele rodopiava, ao mesmo tempo, a namorada Alessandra Lacerda, 20, e a amiga dela Luísa Gomes, 21, na Roda do Chopp. "Se dançar com outras, eu apanho", disse. Os três costumam sair juntos. A conta da mesa, no fim da noite, chega a R$ 140, gastos com refrigerantes e tira-gostos. "Eu não bebo. Não precisa. Sou alegre sem o álcool", afirmou Oliveira.
Desde o início dos anos 2000, o boom sertanejo encontrou terreno fértil na capital federal, que nunca negou a raiz caipira pela proximidade com Goiás. Hoje, das 10 músicas mais tocadas na Clube FM, a líder do mercado, sete são sertanejas. Há um ano, eram quatro. Todos os dias, uma nova dupla bate à porta da rádio para divulgar o trabalho. "Tocamos sucessos, mas hoje os sucessos são os sertanejos. É um predomínio absoluto", reconheceu o gerente da rádio, Arthur Luís. "É uma demanda do mercado. Sertanejo virou sinônimo de música jovem", completou.
Os dados mais atualizados do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), órgão responsável por direitos autorais no Brasil, confirmam o sucesso do ritmo musical: em todo o Centro-Oeste, das 10 músicas mais tocadas, sete são sertanejas. Ainda segundo o Ecad, o compositor que mais arrecadou com a execução de músicas em shows no Brasil nos últimos dois anos foi o mineiro Victor Chaves, da dupla Victor e Leo. Os irmãos têm show marcado para março em Brasília e devem voltar a tocar na cidade em abril, em mais uma edição da Exposição Agropecuária, na Granja do Torto.
Desbancando as apresentações de pagode e axé, os shows sertanejos são os que mais têm atraído multidões no DF. Não é por acaso que as principais duplas do país passaram a encarar Brasília como um importante mercado e a, obrigatoriamente, incluir a cidade nas turnês. Um dos maiores públicos da carreira de Bruno e Marrone, por exemplo, foi em 2003, na Granja do Torto, quando cerca de 100 mil pessoas assistiram ao show. Os dois subiram em palcos candangos pelo menos 15 vezes nos últimos oito anos. Cada show custa, em média, R$ 120 mil.
Mundo country # Das 10 músicas mais tocadas na Clube FM, sete são sertanejas. Há um ano, eram quatro.
# Segundo números do Ecad, das 10 músicas mais tocadas no Centro-Oeste, nove são sertanejas.
# O compositor que mais arrecadou com a execução de músicas em shows nos últimos dois anos foi Victor Chaves, da dupla Victor e Leo.
# A Casa do Cowboy, em Taguatinga, vendeu ingressos para 40 shows em 2009, o dobro em relação a 2008. O faturamento com a venda de acessórios aumentou 40%.
# Só a dupla Bruno e Marrone realizou pelo menos 15 shows no DF desde 2002, uma média de quase dois por ano.
# As casas especializadas em música sertaneja recebem de 800 a mil pessoas nas noites mais movimentadas.
# Na escola de dança Corpos em Par, em Taguatinga, o número de alunos nas aulas de country quadruplicou em quatro anos.
Investimentos arrojados
Roni e Ricardo são, na verdade, Ronivan e Ronivaldo Derussi, irmãos gêmeos, 22 anos de idade e 10 de carreira. Em 2003, eles deixaram Santa Catarina e desembarcaram em Brasília. "Graças a Deus, demos sorte. Não esperávamos que a cidade iria se transformar em uma capital sertaneja", disse Roni. A dupla cobra, em média, R$ 5 mil por show. Os dois sobem ao palco de 15 a 20 vezes por mês em todo o DF e Entorno. Há vezes em que cantam para três plateias diferentes na mesma noite. A equipe, formada por 13 pessoas, entre músicos e produção, se desloca em um ônibus personalizado da dupla. "Estamos embalados. O sertanejo já tomou conta de tudo", comentou Ricardo.
Brasília virou celeiro de duplas sertanejas. Pedro Paulo e Matheus são os nomes mais conhecidos. No entanto, como Roni e Ricardo, existam muitos outros se dando bem. Brunno e Matheus, de 22 e 24 anos, respectivamente, são de Anápolis. Há um ano, os irmãos se instalaram no circuito do DF. Investiram R$ 200 mil no ônibus da dupla, contrataram técnicos de som com experiência no mercado e, para este ano, por intermédio de uma deputada federal, estão com quatro shows marcados no interior de São Paulo. No DF, são 20 shows por mês. Cada um custa ao contratante de R$ 6 a R$ 8 mil. "Já tocamos até na festa do Peão Boiadeiro, em Barretos", acrescentou o produtor Paulo Chopper.
Há 11 anos no mercado, a Casa do Cowboy, loja especializada em moda country, tem 28 duplas como clientes fixos. Entre elas, as famosas Edson e Hudson e Bruno e Marrone. Cada cantor compra com frequência camisas exclusivas de R$ 280 e botas a partir de R$ 790. "Alguns precisam de quatro, cinco camisas diferentes por semana", contou Amarildo Melo, proprietário da loja em Taguatinga, onde também são vendidos ingressos para eventos sertanejos no DF, em Goiás e emMinas Gerais. "No ano passado, vendemos quase 40 shows, o dobro em relação a 2008", calculou. O faturamento da loja, em 2009, segundo ele, aumentou 40%. Os clientes gastam, em média, R$ 250.
A onda sertaneja no DF vai além do movimento nas casas de shows da EPNB e das festas no tradicional Pamonhas e Batatas e no Posto Flamingo, no caminho de Sobradinho. Ninguém quer perder a chance de pegar carona nessa febre que conquistou, principalmente, a juventude. No Pier 21, o recém-inaugurado Moena Lounge definiu domingo como o dia do "sertanejo chique", com show de Henrick e Ruan, dupla da cidade. No Hype Lounge, que também abriu as portas há pouco tempo, no Gilberto Salomão, quarta-feira é dia de sertanejo tocado até em ritmo eletrônico. "A burguesia também gosta. Não há mais preconceito", comentou a gerente de eventos Inez Chaves, 22 anos.
Nesses locais, a entrada pode custar até R$ 25, mais caro do que o cobrado em casas só de sertanejo. Na Hype, as noites caipiras têm reunido, mesmo em período de férias, cerca de 650 pessoas. Na terça, dia de funk, o público não passa de 500. A promoter Ana Júlia Galdino, 24, do bar Garota Carioca, no Setor Comercial Norte, pretende incluir o sertanejo em mais um dia da semana. Atualmente, cerca de 800 clientes lotam a casa para ouvir às quintas-feiras, também, Henrick e Ruan. "Estamos seguindo uma tendência em Brasília", disse a promoter. Segundo ela, os dias de maior consumo no bar são nas noites sertanejas. É quando se vende mais chope e mais combos (uísque ou vodca e energético).