Moderno é pagar direito!
Abel Silva
O Direito Autoral do compositor brasileiro está, como sempre, sob intenso bombardeio. Seu maior inimigo: a inadimplência que se alastra coberta pela impunidade e pela ilegalidade. Cinqüenta por cento das rádios não pagam Direito Autoral. Grandes empresas do audiovisual se negam a pagar ou depositam na Justiça valores muito aquém do justo, embora a música seja absolutamente imprescindível à sua programação. Um poderoso lobby trabalha diuturnamente para que o cinema não pague Direito Autoral de música. Centenas de casas de show que vivem exclusivamente de música se recusam a pagar e algumas ainda recebem o auxílio luxuoso de estatais! O leitor já imaginou uma churrascaria que não pagasse a carne? A moderna e charmosa MTV (esse M aí é de música) paga Direito Autoral em todo o mundo, inclusive na nossa vizinha Argentina, mas, no Brasil, nem pensar. Políticos donos de mídia, de vereadores a senadores da República, labutam noite e dia contra a remuneração do compositor brasileiro. Não tenho dúvidas de que, enquanto escrevo estas linhas, um político em alguma região do Brasil está propondo uma CPI contra "esse tal de Ecad". O Ministério da Cultura ocupado por Gilberto Gil, um extraordinário artista, além de não se posicionar claramente contra essa inadimplência acintosa, ainda nos ameaça com uma "agência reguladora", velho pleito petista, exatamente quando as tais agências demonstram incompetência e aparelhamento partidário, caso da aviação civil, da telefonia etc. O ministro também tem defendido a "flexibilização" da Lei do Direito Autoral, e a liberação irrestrita das obras, sem explicar, porém, como seus colegas vão comer, morar, educar seus filhos.
Nossa Lei do Direito Autoral (9610-98) é resultado de um trabalho coletivo de representantes da classe, advogados, especialistas e políticos. O último passo desse processo para aprovação no Congresso Nacional foi a visita ao seu presidente Antonio Carlos Magalhães, em sua casa em Salvador.
Lá chegando (Fernando Brant, Caetano, Gil, Carlinhos Brown, Ronaldo Bastos, Marcos Vinícius e eu) presenciamos um fato exemplar da guerra suja que cerca a atuação dos inimigos do direito autoral: o texto que o senador começou a ler, diante do nosso espanto e também do senador, era outro completamente antagônico ao que defendíamos. Até hoje não sabemos o autor do fracassado golpe.
Substituído o texto, foi feita a leitura da Lei, depois aprovada pelo Congresso.
Um ponto fundamental da Lei e um dos mais discutidos, é a obrigatoriedade de um único órgão de recebimento e distribuição dos direitos de execução de música, o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição).
A razão é simples: a existência de várias sociedades arrecadadoras e distribuidoras, como era antes, praticamente impossibilitava o processo e era o argumento mais usado pelos usuários: "Não sabemos a quem pagar".
Agora sabem. O Ecad tem problemas, mas quem é do ramo há mais tempo sabe que já foi infinitamente pior.
Pode melhorar e essa é uma tarefa exclusivamente dos compositores e músicos brasileiros. Herdamos dos pioneiros, como Chiquinha Gonzaga, Caymmi, Ataulfo, Mario Lago, Humberto Teixeira, Braguinha e tantos outros a obrigação de lutar para que o artista da música brasileira seja respeitado.
Esta música é a face mais brilhante e vitoriosa de nossa cultura, permite a ascensão social de milhares, confere dignidade e cidadania, além de movimentar uma poderosa engrenagem econômica e financeira.