Apelo ao MinC: transparência na regulação é fundamental
Um dos direitos morais do autor, como tal irrenunciável e inalienável, é o direito de manter sua obra inédita. O autor pode escrever um livro ou compor uma música, abrir a gaveta de sua escrivaninha, colocar lá o resultado de seu trabalho e, por qualquer razão, nunca levá-lo a conhecimento de terceiros. Esse autor, porém, muito provavelmente, também não pode querer receber comentários – elogiosos ou não – sobre sua criação. Terá que se contentar em saber, lá no fundo, que é um criador, mas que o resto do mundo nunca verá a obra.
O Ministério da Cultura (MinC) acabou de patrocinar o terceiro Congresso de Direito de Autor e Interesse Público em São Paulo, entre os dias 09 e 10 de novembro. Esse Congresso fez parte do amplo debate que desde 2007 o MinC vem tentando travar com a sociedade, debaixo da rubrica Fórum Nacional de Direito Autoral. Vários seminários e congressos vêm sendo feitos, todos com o evidente – e, diga-se de passagem, louvável – objetivo de efetivamente discutir o direito autoral em sua plenitude.
Debatendo ideias concretas Esses vários eventos tiveram resultados intrigantes. No início, o MinC só procurou chamar para falar aquelas pessoas que compartilhavam dos mesmos posicionamentos do ministério.
Com o passar do tempo, sob o comando do incansável Marcos Souza, a situação foi melhorando e debates um tanto mais equilibrados foram travados. No entanto, a discussão, vale frisar fortemente, foi sempre em tese, em abstrato, ainda que fosse de conhecimento de todos que o MinC queria – e ainda quer – apresentar um Projeto de Lei que venha eventualmente substituir a atual Lei de Direitos Autorais, que o ministério considera obsoleta e pouco protecionista do autor. Nesses mais de dois anos, diferentemente do que dizem alguns, nunca se debateu efetivamente sobre propostas concretas, efetivas, palpáveis.
Sem entrar no mérito da atual lei, em vigor há pouco mais de 10 anos, os vários debates seguiram de forma razoavelmente salutar (e escrevo “razoavelmente” muito mais por culpa de alguns palestrantes, que não sabem se portar na tribuna, e por alguns membros da plateia, que lá só estão para fazer claque, do que pela organização dos eventos em si) até que o ministério decidiu efetivamente apresentar seu anteprojeto de Lei. Prometeu disponibilizá-lo em outubro, durante o congresso da Associação Brasileira de Direito Autoral (ABDA), mas nada aconteceu. Isso é comum com projetos dessa monta. Prometeu apresentá-lo agora, no mencionado congresso dos dias 9 e 10 de novembro e, para a surpresa de todos, também não apresentou.
No entanto, mesmo assim, o ministério conseguiu sustentar dois dias de debates sobre um anteprojeto de lei que os palestrantes só conheceram pouco tempo antes das apresentações.
Além disso, cada um apenas recebeu cópia dos artigos relacionados ao tema sobre o qual falaria e não de todas as mudanças.
Como se isso não bastasse, os apresentadores aparentemente não puderam projetar os artigos modificados para a plateia mas, apenas, textos de justificativas do MinC sem os artigos modificados ou, para confundir mais ainda, textos modificados pelo ministério com outras alterações sugeridas pelos palestrantes.
Desnecessário dizer, ainda, que a plateia – ansiosa para conhecer as propostas – não recebeu cópia do anteprojeto.
Assim, o congresso foi palco de novos debates sobre hipóteses, com os poucos slides projetados sendo passados em velocidade impressionante.
Perguntas? Só por escrito e sem direito à réplica. E o anteprojeto de lei traz assuntos de extrema importância, que afetam fortemente os criadores, como uma grande ampliação das limitações aos direitos do autor (talvez “grande ampliação” seja um eufemismo até); a licença compulsória de direitos autorais (chamada carinhosamente de “licença não voluntária”); a criação de uma agência estatal (mais uma!) reguladora dos direitos e outras.
O direito moral de manter uma obra inédita nunca foi exercido de forma tão ferrenha como agora pelo MinC que, mesmo assim, quer comentários.
As discussões se arrastam há mais de dois anos e o projeto paira sobre todos os criadores de obras e titulares desses direitos como uma espada pesada, pronta para cair de surpresa, talvez no último dia do ano, quando o Congresso costuma converter em lei vários projetos antigos e muitos recém-apresentados, na calada da noite, sem qualquer debate verdadeiro.
Attilio Gorini, advogado e sócio de Dannemann Siemsen Advogados