Entrevista com Gloria Braga, superintendente do ECAD
Por: Adriana Ferreira
Gloria Braga é advogada, formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pós-graduada em Gestão de Empresas pela PUC-RJ. Especializada em Direito Autoral, foi conselheira do extinto Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), do Ministério da Cultura. É SuperintendenteExecutiva do ECAD há 13 anos, antes trabalhou no Sindicato dos Músicos e na AMAR, uma das dez associações de músicos que compõem o ECAD, onde permaneceu por sete anos.
A aparência delicada dessa carioca contrasta com a postura firme e articulada, ela não se intimida com os ataques feitos ao órgão que dirige. Após ouvir pesadas críticas e acusações de grupos contrários à atuação do ECAD, em audiência pública, em São Paulo, ela pede ao Ministério Público e aos procuradores presentes que apurem: "nós não podemos durante oito anos sermos submetidos às mesmas questões, aos mesmos ataques, que nós há oito anos respondemos em todas as situações em que somos chamados". A superintendente diz que a disponibilização de atas das assembleias e dos balanços contábeis presentes no site do ECAD, bem como a disposição da entidade de prestar esclarecimentos é uma demonstração clara de transparência. E reforça que o órgão está sendo vítima de uma campanha de "demonização" promovida por grupos ligados a empresas de comunicação.
RN – A base de cálculo de vocês para a definição de valores leva em conta fatores como potência da emissora (para FM), crescimento demográfico. Mas os radiodifusores dizem que essas referências não são adequadas e levam a valores distorcidos. Os argumentos contrários são os seguintes:
O critério potência da emissora, no caso de FM, considera potência do transmissor e não a classe da emissora, que é o que define o seu alcance. No exterior, destaca-se o percentual de músicas na programação.
O crescimento demográfico não corresponde a um aumento de audiência, visto que nos últimos anos surgiram inúmeras rádios, inclusive rádios piratas e comunitárias, portanto o bolo tem de ser dividido entre muitas.
A porcentagem de música utilizada por uma rádio é um critério utilizado em muitas associações estrangeiras.Porque no Brasil não é utilizado esse aspecto como critério de cobrança?
GB – Em primeiro lugar, devemos entender como é se constitui a Tabela de Preços de Rádio. No convênio mantido entre o ECAD e a ABERT, renovado em maio deste ano, ficou mantido o cálculo da retribuição autoral baseando-se na potência do transmissor, nível populacional da cidade onde o transmissor está instalado, bem como a condição socioeconômica do estado. Entendemos que esta fórmula de cálculo é justa, pois ela permite uma proporção do pagamento do direito autoral de acordo com a capacidade da emissora, já que leva em conta o potencial de abrangência da rádio.
É importante ressaltar que os valores pagos pelas AMs são inferiores aos valores pagos pelas FMs, mesmo estando ambas as emissoras numa cidade de mesmo nível populacional e com a mesma potência do transmissor. Essa diferença existe, principalmente pelo fato das FMs terem programação com maior musicalidade que as AMs.
É natural que havendo um crescimento do nível populacional de determinada região que as oportunidades de negócio também se desenvolvam e cresçam. E certamente a questão da concorrência deverá também ser uma realidade a ser enfrentada por qualquer segmento de negócio.
RN – O Ceará tem um PIB 13 vezes menor que São Paulo e uma renda três vezes inferior, mas paga apenas 1/3 menos que o estado do sudeste. A senhora considera razoável essa proporção?
GB – A utilização da potência e nível populacional para o cálculo do valor da retribuição autoral equilibra esta diferença, pois guarda proporção pela capacidade de abrangência da rádio.
RN- Quanto cada associação tem de peso na votação das Assembleias?
GB – O ECAD é uma associação civil privada sem fins lucrativos e não uma empresa de capital aberto. Por isso, entendemos que esta é uma informação de caráter reservado, não cabendo a sua divulgação sem que haja o consentimento das associações, já que o ECAD é administrado por elas.
RN – Outra preocupação do setor é em relação à cobrança de 10% sob o valor da tabela de anúncios para o caso de emissoras que transmitam sua programação na internet. Quais foram as bases para se chegar a esse percentual?
GB – A internet é uma nova forma de utilização da música. O art. 31 da lei de direitos autorais prevê que as formas de utilização da obra musical são independentes entre si, sendo necessária uma nova autorização para utilização das músicas por terceiros. Portanto, para que a emissora possa utilizar a música também na internet, é preciso solicitar nova autorização que é concedida com o pagamento da retribuição autoral. O percentual utilizado leva em consideração o pagamento realizado pela rádio convencional que, por estar atrelada à potência do transmissor e nível populacional onde o mesmo está instalado, guarda proporcionalidade à capacidade da rádio e sua abrangência.
RN – Além das emissoras, também músicos ouvidos pela nossa reportagem se queixaram, com frequência, de falta de transparência do ECAD. Qual a razão para isso, em sua opinião?
GB – Toda a nossa atuação é baseada na transparência. Qualquer pessoa pode fiscalizar o ECAD, os artistas fiscalizam por intermédios de suas associações e o próprio governo faz isso por meio da Receita Federal e do INSS. No nosso site há anos estão o nosso Regulamento de Arrecadação, Regulamento de Distribuição, todas as nossas práticas, o passo a passo de tudo que fazemos, além do nosso balanço social e patrimonial e os pareceres dos auditores independentes. Os artistas recebem mensalmente demonstrativos indicando onde suas músicas foram executadas, quais valores foram distribuídos por essas criações e qualquer dúvida que os artistas tenham, eles podem perguntar e discutir em suas associações. E o público em geral também, pode esclarecer tudo isso por intermédio do nosso ‘Fale Conosco’, que só no ano passado respondeu a mais de nove mil perguntas de internautas.
RN – Já que os direitos autorais envolvem usuários tão distintos (com características particulares), não seria interessante ter um fórum para mediar conflitos que não fosse diretamente a Justiça? Isso não diminuiria a inadimplência relacionada ao rádio, por exemplo?
GB – O ECAD tem todo um trabalho prévio de conscientização e esclarecimento sobre a importância do pagamento do direito autoral, que é a remuneração do criador. Quando isso não acontece, como último recurso, nós recorremos ao Judiciário. Mas o número de ações ajuizadas é muito pouco significativo considerando todo o universo de usuários cadastrados, como emissoras de rádio, televisão e estabelecimentos comerciais. Nós temos hoje 400 mil usuários cadastrados e apenas 1% é acionado pelo ECAD.
RN – Conversei com o produtor de uma dupla do interior da Bahia, ele reclamou que suas músicas são bem executadas na região, mas que fica tempos sem receber nada do ECAD. Outros músicos ouvidos também questionaram os valores recebidos. O que pode estar ocorrendo nesses casos?
GB – Em primeiro lugar, o local onde a música está sendo utilizada tem de estar adimplente com os direitos autorais. O maior problema hoje é a inadimplência. Só no ano de 2009, os compositores e músicos deixaram de R$ 33 milhões de emissoras de rádio. Além de ser imprescindível que o usuário, onde a música foi executada, pague ao ECAD, há algumas regras básicas para que os artistas possam receber seus direitos autorais de execução pública musical:
1) Ser filiado a uma das 10 associações que compõem o ECAD;
2) Ter o repertório cadastrado e constantemente atualizado na sua associação, inclusive as composições
novas;
3) Ter a música executada e captada pelo ECAD;
4) A emissora de rádio onde a música tocou deve enviar as planilhas com sua programação musical ao ECAD;
5) No caso de shows, o organizador deve enviar o roteiro com as músicas tocadas durante o evento.
RN- Uma das proposições do anteprojeto da LDA que está sendo elaborado prevê a criação de uma autarquia para fiscalizar a atuação das associações. Qual sua opinião sobre isto?
GB – A supervisão só interessa aos grandes usuários de musica, como várias emissoras de rádio e de televisão e os provedores de serviços de internet. Eles hoje são os maiores inadimplentes, causam grandes prejuízos aos artistas e essa proposta do Ministério da Cultura só terá finalidade para eles. Os artistas já supervisionam toda essa atividade por meio de suas associações, nas quais eles obtêm e podem obter todas as informações sobre o que as associações fazem e o ECAD também. Só no ano passado, essa estrutura, sem qualquer supervisão do Ministério da Cultura, distribuiu R$ 318 milhões para 81.250 criadores de música. Essa supervisão só beneficia àqueles que não querem pagar direitos autorais e querem controlar as atividades do ECAD e das associações por meio do Ministério da Cultura