MÚSICA – Carnaval dentro da lei
Embora bem antigas, muitas marchinhas, a trilha sonora mais tradicional do carnaval brasileiro, não são de domínio público. A lei 9.610/98 (de direitos autorais) define que uma obra só é considerada de domínio público após 70 anos da morte do autor, como é o caso de Ó abre-alas (de Chiquinha Gonzaga, que morreu há 72 anos). Nesse caso, não são mais cobrados direitos autorais para exibição pública da composição. Por outro lado, várias marchinhas ainda se enquadram na lei de direito autoral, cabendo aos seus autores ou respectivos herdeiros os valores pela exibição pública das obras.
No Brasil, o controle centralizado da arrecadação e distribuição dos direitos autorais de exibição pública musical é feito pelo Escritório de Administração Central (Ecad), que representa todos os titulares de obras musicais filiados a 10 associações artísticas (Abramus, Amar, Sbacem, Sicam, Socinpro, UBC, Abrac, Acimbra, Anacim, Assim, Sadembra). Do valor total arrecadado pelo Ecad, 75% são entregues aos titulares da música, 7% às associações musicais e 18% ficam na entidade para manutenção própria. As populares Cabeleira do Zezé e Mulata iê-iê-iê, ambas compostas por João Roberto Kelly, de 68 anos, enquadram-se nessa lei, sendo campeãs de execução por todo o país, quer seja em bailes, festas, ou blocos.
No carnaval de 2006, entre as 10 músicas que mais arrecadaram direitos nove eram marchinhas: Cabeleira do Zezé, Jardineira, Me dá um dinheiro aí, Mamãe eu quero, Ollah-lá-ô, Cidade Maravilhosa, Saca-rolha, Cachaça e Vassourinhas. Em nono lugar, ficou a composição Sorte grande (Poeira), sucesso na voz de Ivete Sangalo, escrita pelo compositor carioca Lourenço.
Segundo o gerente da unidade Minas Gerais do Ecad, Tadao Omote, com exceção de Uberlândia e região, que pertence a outra unidade do Ecad, há no estado 601 lugares cadastrados para produção de eventos carnavalescos, havendo uma previsão de arrecadação de R$ 611mil para o período em 2007. Entenda-se por lugares desde espaços fechados, como clubes, casas de shows, boates e até mesmo eventos a céu aberto, como blocos carnavalescos, trios-elétricos que percorrem espaços públicos, entre outros.
¨Tem havido uma conscientização maior por parte dos produtores de se respeitar o direito do autor. Dentro das taxas que se pagam para qualquer evento, a do Ecad é uma das menores. Mas é preciso ressaltar que alguns ainda resistem a seguir o que determina a lei¨, diz o gerente. Para coibir e minimizar o não pagamento da taxa, técnicos do Ecad visitam os locais de eventos para gravar e monitorar a execução de músicas e verificar se há autorização prévia para execução. Quem não tiver a licença, sofrerá cobrança judicial, convertida em multa que pode chegar a 20 vezes o valor do direito autoral que seria pago antecipadamente.
DIREITO
O cantor e compositor baiano Alexandre Peixe, de 30 anos, conta que é muito importante o respeito ao direito autoral tanto por parte dos músicos quanto dos produtores. ¨Canto há apenas dois anos, mas componho desde jovem. Basicamente, sobrevivo de direitos autorais há mais de 10 anos. Tenho muitas obras gravadas por muita gente. Infelizmente, cerca de 50% das rádios e grandes empresas ainda relutam em pagar corretamente as taxas. Preferem o desgaste de demandas judiciais. Há uma cultura de não se pagar os direitos. E existe também, por parte dos músicos, pouco movimento nessa área. O próprio ministro Gilberto Gil, que é compositor também, não fez nada ainda significativo a respeito¨, conta Alexandre.
O músico destaca que apesar da realidade de mercado, algumas iniciativas isoladas vêm sendo tomadas no país. ¨Em Salvador, há uma lei municipal que exige das rádios apresentar a música citando o nome do intérprete e do autor da composição, mas não há sanções para quem não cumpre essa lei. Seria ideal, porque o público acaba atrelando a música apenas ao nome do intérprete, como ocorre com Sorte grande, escrita pelo Lourenço, mas que todo mundo acha da Ivete, que a interpretou primeiro¨, conta o compositor.
Alexandre Peixe tem várias composições gravadas por outros grupos e cantores, como Não vou chorar (KLB), 100% você (Chiclete com Banana e Ivete Sangalo), além de outras, pelo Babado Novo e Asa de Águia. No carnaval, ele costuma também cantar obras de outros músicos, inclusive marchinhas. ¨Essas músicas são atemporais. São muito executadas ainda, principalmente nos salões e clubes. Acho que, sobretudo, o que deve ser feito é uma adesão intensa dos músicos, para também se respeitar a questão dos direitos autorais quando se interpreta canções de outros profissionais¨, enfatiza.