Profissão de risco
Nei Lopes
Há uns 20 anos, ainda sob a antiga Lei Autoral, a concentração de renda na música brasileira já era escandalosa. Na época, a partir de relatórios divulgados pelo Ecad, via-se que a arrecadação anual, conjunta, dos 11 maiores autores de nossa canção de então não chegava ao que recebia apenas um dos grupos multinacionais (gravadora e editora) no país.
Mudou a lei, mas a maior parte da renda de nossos direitos continua indo para as mãos das "multis". Mas isso sem ilegalidade ou ilicitude! É que, mesmo consagrando o "poder da criação" como um atributo exclusivo da pessoa física, a lei equipara a esse criador a pessoa jurídica (gravadora ou editora) a quem ele ceder os direitos sobre sua obra.
O compositor cria a música e, na gravação, assina um contrato no qual a editora vira uma espécie de "sócia", recebendo em torno de 25% sobre o que a obra render. Aí acontece a absurda concentração de renda que faz com que, do bolo distribuído, o criador de música, mesmo quando bem aquinhoado, só tenha direito ao farelo.
Cessão de direitos faz quem quer, gosta ou precisa! Mas o grande caso é que ela, além de transferir o direito do criador para a grande empresa, transfere também o poder de decisão. E aí está a base da problemática da gestão do "famigerado" Ecad, no qual autores e empresas são representados por suas respectivas associações – o voto de cada uma valendo, porém, segundo o peso de sua arrecadação.
Como as antigas "sociedades arrecadadoras", o Ecad, talvez por ser um órgão que cobra, tem má fama, sim! Mas, nos tempos e no país em que vivemos, isso não é apanágio de poucas instituições. E acontece que esse bureau, unificando a cobrança e a distribuição dos nossos direitos autorais e recebendo, das sociedades gestoras que o compõem, para alimentação de suas unidades de processamento, dados bons e valiosos, é hoje parte de um sistema importante. Muito melhor, operacionalmente, que o existente antes de sua criação, em 1973.
A má imagem do Ecad e o desconhecimento da sistemática de seu funcionamento geraram uma cultura de estímulo à inadimplência, prejudicando a todos. Hoje, cerca de 40% de emissoras de radiodifusão se negam a pagar direitos sobre as músicas que tocam.
E esse "caldo de cultura" chega também a inúmeros projetos legislativos, criados para eximir do cumprimento da legislação autoral os que utilizam publicamente nossas obras. Por essas e outras é que a criação da rica música brasileira – que deveria ser uma atividade de ricos – é, cada vez mais, uma profissão de risco.