Povo da música e a Musibrás
Durante o longo tempo transcorrido, desde a primeira versão de seu anteprojeto, até sua entrada em vigor, em fevereiro de 1998, nossa atual Lei de Direito Autoral percorreu um longo caminho. E, nele, as entidades dos autores, como a AMAR-SOMBRÁS, participaram ativamente das discussões. Daí ter essa Lei fundamental importância do ponto de vista dos Direitos da Pessoa Humana, pois consagrou princípios como o de seu artigo 11 (a autoria como atributo exclusivo da pessoa física); e da gestão coletiva no exercício e na defesa dos direitos de autores e demais titulares, consoante o disposto no art. 99.
Resultado, então, de longo processo de discussão, a Lei tem, agora, com pouco mais de dez anos de vigência, contestada, por alguns setores, sua eficácia. E, assim, o MinC, desde 2007 busca a aprovação de um novo texto, sem, entretanto usar a transparência e o debate efetivamente democrático que caracterizaram a discussão e afinal aprovação da Lei 9.610/98.
Não é possível sequer avaliar se a proposta legislativo do MinC é boa ou má, já que o texto é mantido como um documento quase secreto. A ideia inicial seria apresentá-lo, na íntegra, durante o III Congresso de Direito de Autor e Interesse Público, que ocorreu em São Paulo, entre os dias 09 e 10 de novembro, mas o Ministério voltou atrás e a misteriosa proposta não foi desvendada. Como o MinC nos últimos anos acumulou decisões discutíveis, é bastante possível que daí só resulte retrocesso.
Uma das mudanças cogitadas é, segundo conta, a criação de uma agência estatal, uma espécie de Musibrás , para regular o direito autoral, e interferir principalmente na gestão dos direitos no segmento da música. Essa preocupante agência chamar-se-ía Instituto Brasileiro do Direito Autoral (IBDA), tendo, além de outras responsabilidades, o poder de decidir sobre a utilização das obras artísticas. Se um autor vetasse a utilização de uma criação de sua propriedade, o IBDA teria o poder de decidir, em nome do acesso à cultura , pela liberação do pagamento de direitos autorais. Chamada de licença voluntária esse dispositivo, se acolhido em texto legal, constituirá flagrante violação do princípio contido no art. 5º, XVVII, da Constituição Federal, segundo o qual o direito de utilização, publicação ou reprodução de uma obra é exclusivo de seu autor.
Bem verdade que a estrutura atual de nossa engrenagem autoral precisa de ajustes. Mas é indiscutível de que o ECAD (apesar da dominância, em suas decisões, dos titulares economicamente mais aquinhoados, e com mais poder de voto) ainda é a melhor alternativa para preservar os direitos do segmento da música, principalmente porque é a realização do sonho de muitos compositores e intérpretes históricos deste nosso Brasil. Ao estatizar os direitos e controlar a produção dos criadores, através desse pretendido IBDA, o Governo assume o controle sobre a vida e a obra de milhares de pessoas que pensam e formam opinião neste país, o que não é o desejado.
O futuro da atuação do MinC pode ser projetado pelo histórico de suas ações mal-sucedidas. A Lei do Livro, sancionada em 2003, até hoje não foi regulamentada pelo Ministério. O projeto de modificação da Lei Rouanet permanece estacionado. Enquanto isso, a freqüência dos brasileiros a cinemas, teatros, museus, salas de exposições etc., continua incompatível com o protagonismo que o País almeja.
Há anos que nós, do segmento da música, dizemos ao MinC que não queremos intervenção estatal e, sim, atenção do Governo. Atenção, principalmente, para que se punam as rádios e TVs que usam nossas músicas e não nos pagam por essa utilização. E a legislação em vigor é bastante clara a esse respeito.
A atenção que precisamos e merecemos do Governo é no sentido do cumprimento da Lei. Neste momento, o que menos precisamos é de mais uma instancia burocrática para dificultar ainda mais o nosso trabalho.
. Por: Nei Lopes, compositor, membro da diretoria da associação de música AMAR-SOMBRÁS.