Guerra de Titãs
As operadoras de TV por assinatura, mais as redes Globo, SBT e RedeTV! e alguns dos maiores grupos de exibidores de cinema recusam o critério de preço do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), que cobra 2,5% sobre o faturamento bruto das empresas.
De acordo com cálculos do Ecad, se a entidade vencesse todos os processos que tramitam na Justiça contra televisões, receberia R$ 2,23 bilhões, relativos ao dinheiro devido nos últimos cinco anos (1,25 bilhão das TVs por assinatura mais R$ 975 milhões das TVs abertas).
A dimensão da guerra fica evidente na comparação entre o faturamento dos setores e a arrecadação do Ecad.
A televisão aberta faturou R$ 18 bilhões no ano passado, de acordo com a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão). Se aplicado o critério de 2,5% do faturamento, implicaria um pagamento de R$ 450 milhões ao Ecad.
Segundo o escritório, porém, o setor pagou bem menos: R$ 87,4 milhões.
O tema é ainda mais explosivo na televisão por assinatura. O número de assinantes passou de 5,3 milhões para 10,6 milhões desde 2007, e o faturamento anual pulou de R$ 6,7 bi para R$ 12 bi.
Pelo critério do Ecad, o setor deveria ter recolhido R$ 306 milhões em 2010. O valor não chegou a 10% disso.
A disputa com as TVs abertas começou depois que o Ecad rompeu o convênio que tinha com a Abert, em 1994.
Até então, os valores eram negociados entre as duas instituições -ainda é o que ocorre no caso das rádios.
A partir daquele ano, o Ecad passou a discutir individualmente com cada emissora, elevando os preços. Sofreu várias ações na Justiça, questionando sua legitimidade para centralizar a cobrança de direitos autorais. O Supremo Tribunal Federal confirmou a legitimidade.
Hoje, de acordo com o Ecad, Bandeirantes, Record e CNT obedecem ao critério.
SBT obedecia até 2006, quando entrou na Justiça. A ação, que corre na 38ª Vara Cível do Fórum João Mendes, em São Paulo, compara a situação da emissora à da Globo, alegando que a "líder de audiência paga percentual sobre sua receita de 0,657, enquanto que o da Autora corresponde a 2,5%". O SBT também questiona o percentual pago pela Record.
O argumento do SBT se baseia no que a Globo deposita todo mês em juízo, em nome do Ecad. O valor atual é de R$ 5 milhões por mês (calculado de acordo com o contrato que tinha com o escritório em 2005, com correção).
A emissora carioca também briga com o Ecad na Justiça. Contesta a vinculação do direito autoral ao faturamento e a prática do Ecad de cobrar por pacote fechado.
De acordo com as regras atuais, as emissoras não podem pagar apenas pelas músicas que utilizarão. O valor cobrado pelo Ecad inclui o uso ilimitado de todas as músicas de seu cadastro.
A ação da Globo está no Superior Tribunal de Justiça -a emissora perdeu em primeira instância e ganhou em segunda- e é considerada determinante para resolver o conflito. Se o STJ julgar o percentual legítimo, abrirá um importante precedente para que todas as empresas em litígio paguem os R$ 2,23 bilhões que devem ao Ecad.
CINEMA
Entre os exibidores de cinema, a diferença entre o valor pretendido pelo Ecad é menor do que nos outros setores (R$ 22 milhões) porque vários exibidores perderam as ações judiciais, que também se baseavam na tese da ilegitimidade do Ecad. Mas nenhum deles concorda com o critério de cobrança.
O empresário gaúcho Ricardo Difini, diretor da GNC Cinemas e presidente da Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas, diz que o que paga ao Ecad lhe permitiria abrir uma sala de 300 lugares por ano.
Os exibidores não concordam em pagar direitos autorais sobre filmes estrangeiros porque, segundo eles, os distribuidores já pagam os direitos no exterior.
O mesmo dizem as TVs por assinatura em relação aos canais estrangeiros. O diretor jurídico da Sky, Ricardo Lagreca, aponta outro complicador: os serviços de TV paga, banda larga e telefone são vendidos em pacotes.
"Se o Ecad cobrar sobre o faturamento bruto, o cálculo recairá também sobre o telefone e a internet. Como os custos acabam repassados ao consumidor, eles serão penalizados", diz Lagreca.
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Critério é "carta de alforria" para classe, diz Ecad
O Ecad não cogita desistir do critério de remunerar os direitos autorais pela participação em 2,5% no faturamento bruto das empresas de televisão.
Para a superintendente executiva do órgão, Glória Braga, o percentual sobre a receita das empresas de TV aberta e paga representa "a carta de alforria" dos artistas.
"Esta é uma decisão fundamental para os músicos, no momento em que a indústria do disco acabou e existe total incerteza sobre o faturamento na internet", afirmou a superintendente, em entrevista à Folha.
Ela rebate as acusações de que o percentual seja abusivo, como afirmam as empresas em ações judiciais. Para Glória, este seria o sistema mais justo de cobrança, por ter impacto proporcional.
"Como há grande disparidade entre as fatias de cada emissora na divisão da receita publicitária, o percentual é a única forma de dar um tratamento igualitário a todas. Ele incomoda cada uma em 2,5%", diz.
As empresas sustentam que o percentual é cinco vezes maior do que a média que se paga nos EUA.
Glória Braga defende-se dizendo que o Ecad segue as normas técnicas da Cisac (Confederação Internacional de Sociedade de Autores e Compositores), que recomenda a cobrança sobre o faturamento das empresas. Diz também que o percentual aplicado equivale aos de países europeus.
Segundo a superintendente, Record, Bandeirantes e CNT cumprem a cláusula dos 2,5%; Globo e SBT fazem depósito judicial; e RedeTV! não deposita.
A rede estatal EBC, do governo federal, também não paga e está em discussão com o Ecad.
A reportagem indagou como o Ecad comprova que a Band, Record e CNT cumprem o percentual, uma vez que são empresas de capital fechado e seus balanços não são fiscalizados por órgãos reguladores.
Segundo ela, as empresas enviam ao Ecad balancetes mensais, atestados por auditores.