É dever do Estado proteger o autor
Muito se discute na análise da sistemática autoral brasileira a questão quanto às limitações aos direitos de autor e a necessidade de flexibilização destes direitos, sob o argumento de um maior acesso ao patrimônio autoral pela sociedade. Alega-se que a criação da obra deriva da absorção de obras já preexistentes e que as limitações ocasionam um engessamento no acesso pela sociedade e no processo criativo, clamando pela aplicação de institutos que em nada se coadunam com a raiz do nosso direito autoral, o Droit de d´Auteur, tais como o fair use e o copyleft, oriundos do sistema americano do copyright.
Conclamam, ainda, na aplicação do artigo 215 da Constituição Federal, visto ser dever do Estado garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais, apoiando, incentivando, valorizando e difundindo as manifestações culturais.
Ocorre que o referido artigo da Carta Magna, ao contrário do que se pensa, e com o devido respeito a entendimentos diversos, não se presta para justificar a flexibilização dos direitos autorais, entendendo-se o termo "flexibilização" como a utilização da obra autoral alheia sem nenhuma contraprestação por parte de quem a utiliza.
Em primeiro lugar não há que se falar em conflito de normas constitucionais, uma vez que o inciso 27 do art. 5º da Constituição Federal traz como garantia fundamental o direito exclusivo do autor na utilização da sua obra, corroborado com a regra geral da prévia e expressa autorização da legislação federal, deixando clara a intenção do Estado na proteção do autor. E o art. 251 da mesma Constituição, por sua vez, traz um dever do Estado, qual seja, o de garantir o pleno exercício e acesso aos direitos culturais, apoiando e incentivando a valorização e difusão de manifestações culturais e para isso, é essencial o respeito ao pilar fundamental garantido no inciso 18 do art. 5º, já supra citado. E não se entende o cumprimento de um dever estatal subtraindo direitos e meios de subsistência dos titulares de direitos autorais, pois isso redundará em mais uma alegação de cumprimento de dever constitucional mediante a violação de uma garantia fundamental.
Indaga-se: é dever do Estado garantir saúde. Decorre disso a ausência de pagamento aos médicos e profissionais da saúde? Na educação, os professores deixam de ser remunerados sob a alegação de um dever constitucional do Estado? Por fim, convém ressaltar o art. 1º da Carta Magna que traz como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, não entendendo este subscritor onde se encontra este pilar democrático na flexibilização que tanto se propõe.
Luciano Oliveira Delgado é advogado especializado em direitos autorais.